sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Esses moços

Domingo passado, 4 de novembro de 2012, uma jovem da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá, ao passar por mim, perguntou:

– Deva, ainda é você que revisa o boletim da igreja?

Faço essa revisão desde 2004, e, como sou bem vivido, percebi logo o que viria a seguir. Respondi:

– Sim, mas eu também erro. Qual foi o erro que você encontrou?

Essa pessoa é a mesma que, anos atrás, discutiu comigo insistindo que a frase “eu devia ter trago um lanche” estava correta. Para minha grata surpresa, ela evoluiu muito, e, desta vez, realmente tinha razão. Ou pelo menos meia razão. Vejamos.

Então ela falou:

– Na frase “Mas ser santo é aspirar ser coerente”, devia ter um “a” depois de “aspirar”, pois esse verbo com o sentido de querer, desejar, pretender, é transitivo indireto, exigindo uma preposição.

Como se tratava da bela Amanda, uma jovem com a qual tenho excelente relacionamento, brinquei:

– Discordo. Mas não afirmo categoricamente. Vou pesquisar e depois te mostro.

Pesquisei e, realmente, Amanda tinha meia razão. Congratulations, dear Amanda.

Vejam o que diz o dicionário Aurélio Século XXI, na acepção número seis do verbete aspirar (sublinhados meus):

V. t. i.
6.  Desejar ardentemente; pretender: "Minha alma, ó Deus, a outros céus aspira"  (Antero de Quental, Sonetos, p. 188); "Aspiro a ser puro e não a ser purista."  (Manuel Odorico Mendes, Ilíada de Homero, p. 37); "Sente o sol muito longe, sente a claridade no ar que rareia. E toda a noite aspira pela luz."  (Raul Brandão, A Farsa, p. 152).

[Não admite o pronome lhe(s), mas apenas as f. analíticas a eles, a elas: "E a mim, que aspiro a ele [Deus], a mim, que o chamo, / Que anseio por mais vida e maior brilho, / Há de negar-me o termo deste anseio?"  (Antero de Quental, Sonetos, p. 187);  É honraria muito cobiçada, e no entanto a ela não aspiro. ]

Mas ... por que só meia razão? Acontece que, quando ao verbo aspirar se seguir outro verbo na forma infinitiva, a preposição poderá ser omitida. Conforme explica o professor Dilson Catarino:

“É que modernamente o verbo aspirar, no significado de ter um objetivo, pretender, pode ser usado sem preposição alguma quando seguido de outro verbo no infinitivo (verbo terminado em –ar, -er ou –ir). Há, portanto, duas possibilidades:
  • Aspiro a ser um grande escotista.
  • Aspiro ser um grande escotista.”
Então, Amanda, empatamos. Mas já vejo o dia em que você me substituirá na revisão do boletim da IPJ. Essa era uma preocupação que eu sempre tive: quem, depois de mim? Considere-se eleita minha seguidora.


Ah, o título deste post! É uma homenagem à música de mesmo nome, de Lupicínio Rodrigues. Pode ser encontrada por aí, na internet.

Devanir Nunes
ultima-flor-do-lacio.blogspot.com.br

2 comentários:

  1. Legal esse post :) Não sabia que o "a" era opcional.

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  2. Eu também não. Quando a Amanda falou, senti que ela estava certa. Mas a experiência (intuição, proporcionada pela lembrança de muitos livros lidos) estava a me incomodar (como diriam nossos irmãos d'além mar), levando-me à pesquisa e à conclusão de que as duas formas estão corretas.

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