sexta-feira, 23 de março de 2012

A saga do touro Arquibaldo

A SAGA DO TOURO ARQUIBALDO
Devanir Nunes
11 de maio de 2011

Dedicado a
Victor Gabriel Soares Nunes
Carlos Daniel Soares Nunes

PREFÁCIO


Devanir sempre gostou de contar histórias para seus filhos dormirem. Mas poucas vezes lia livrinhos de histórias tradicionais. Na maioria das vezes inventava histórias, de improviso. E eram momentos tão animados, alegres, mágicos, que geralmente serviam mais para espantar o sono que atraí-lo. Assim surgiu Arquibaldo.
Ele é pouco mais novo que Victor Gabriel, pois surgiu quando essa bela criança tinha uns três anos. Talvez quatro.
Geralmente VG dormia no meio da história, e no dia seguinte pedia para contar de novo, pois ficava curioso para saber o final. Como não dava para lembrar tudo, algumas coisas eram alteradas. Mas ele lembrava e reclamava, fazendo a história voltar ao original.
Depois VG cresceu, e chegou Carlos Daniel. Houve um intervalo de alguns anos em que a história “caiu no esquecimento”. As aspas significam que a história deixou de ser contada, mas nunca foi realmente esquecida.
Quando CD começou a ter algum entendimento, a história foi resgatada, evidentemente com algumas alterações, pois nunca tinha sido escrita, nem era essa a intenção. E cada vez que era contada, seja na era VG, seja na era CD, ganhava novas nuances e novos detalhes.
CD chegou aos sete anos, 2º ano do Ensino Fundamental, e ao se deparar com a pergunta “Qual sua história preferida?” em um trabalhinho escolar, escreveu: ARQUIBALDO. A tia deu-lhe um E. Fiquei um pouco chateado, mas a chateação logo cedeu lugar à compaixão. Ah, esse ensino automatizado que espera respostas prontas! A professora queria que ele citasse uma das histórias tradicionais, e de preferência uma das conhecidas por ela.
Mas eu não sou assim; não me limito ao conhecimento tradicional.
Aí veio o impulso para colocar a história no papel, para mostrar à professora que meu filho estava certo, e que ela não conhece todas as histórias, escritas ou não. Mas essa necessidade de vingança logo passou, substituída por um novo desejo: compartilhar a história com outros pais e outras crianças.
Espero que gostem.
Devanir Nunes

A SAGA DO TOURO ARQUIBALDO
Esta história se passou há muitíssimo tempo, um tempo em que Arquibaldo se escrevia com CH em vez de QU. Mas se pronunciava do mesmo modo que hoje.

Naquela longínqua época, muitas cidades que hoje são enormes eram ainda pequenas vilas, aldeias, povoados ou lugarejos. Barcelona era uma dessas. Mas Madri, não. Ah, Madri. Madri já era bem grande, pelo menos para aqueles tempos.

Essas cidades hoje são enormes e lindíssimas e ficam na Espanha, um país muito bonito e alegre, que todos deveriam conhecer. Mas voltemos àquele tempo.
Na vila de Barcelona vivia um touro. Não era um touro qualquer, era o Arquibaldo, o touro mais lindo que já existiu. Nunca mais houve um touro tão belo, até os dias de hoje. Era realmente muito bonito e grande. Todo preto e lustroso, e quando o sol estava muito forte seu reflexo no pelo do Arquibaldo chegava a ofuscar quem estivesse por perto. As pessoas tinham até que fechar os olhos.
Era muito grande. Já falei isso, eu sei, mas é preciso repetir: ELE ERA MUITO GRANDE! MUITO GRANDE MESMO! E forte como um touro!
Tinha um par de chifres que metiam medo. Saindo do alto da cabeça, logo acima dos olhos e perto das orelhas, davam duas voltas no ar, e terminavam com pontas bem afiadas, mas tão afiadas, mas tão afiadas, que chegavam a brilhar como se fossem agulhas de ouro. E metiam medo, ah, se metiam!
Mas ... apesar de toda essa fortaleza, Arquibaldo era muito manso e calmo. E não era lá muito inteligente. Ah, não era mesmo. Inteligência ali passou longe.
Ele vivia em uma fazenda. Nasceu, cresceu e sempre viveu naquela fazendinha, e nem sabia que existiam outras, pois as fazendas ficavam muito distantes umas das outras, e o dono do Arquibaldo nunca o levou além da porteira.
Arquibaldo trabalhava de sol a sol, e, quando tinha lua, trabalhava de sol a lua. Trabalhava o dia inteiro e mais um pouco. Seu trabalho era puxar uma carroça que o fazendeiro vivia enchendo de pedras. E esvaziando também, é claro.
Como não era lá muito inteligente, o pobre imaginava que estava carregando as mesmas pedras, um dia de lá para cá, e outro de cá para lá. E o fazendeiro não se dava ao trabalho de explicar para o touro a natureza do seu trabalho. Já viu alguém explicar alguma coisa para um touro? Tinha que carregar pedras e pronto!
Mas, com o passar dos anos, e bota ano nisso, Arquibaldo começou a se sentir cansado. Era o peso da idade, mas ele nem sabia. O único peso que conhecia era o das pedras.
E começou a se lamentar:
– Ai, ai, ai! Ai, ai, ai! Isso não é vida! Ah, não, vida isso não é. Não aguento mais. Nem sei mais há quanto tempo carrego essas pedras. Acho que já nasci fazendo isso. Será que mudar um dia isso vai? Será que um dia isso vai mudar? É pedra pra lá, pedra pra cá. Por que meu dono não deixa as pedras quietinhas onde estavam?
Após isso, Arquibaldo ficou em silêncio por algum tempo, um silêncio triste e pesado, um silêncio de desânimo, falta de esperança, desesperança.
De repente, ouve-se um ruído:
– Riiiiinch.
– Que foi isso? Eu conheço esse barulho. Cadê você? Aparece, Teobaldo, pare de se esconder. Eu sei que é você. Eu conheço seu relincho de longe.
Era o Teobaldo, amigo de longa data, desde quando esse nome se escrevia com TH.

Pelo relinchar já dá para sabermos que se tratava de um cavalo. Mas não era um cavalo qualquer. Era um cavalo especial, o Teobaldo! Arquibaldo gostava muito dele. Na verdade, Teobaldo era seu único amigo.
Teobaldo apareceu. E como gostava muito de falar, começou imediatamente a tagarelar:
– Arquibaldo, amigo meu, não pude deixar de ouvir seus resmungos, seus lamentos, suas queixas. Que se passa, meu velho? Parece-me que você não está muito feliz, aliás, parece-me bastante infeliz. Conte pra mim, vá, confie no seu amigo. Seja o que for, farei tudo para ajudá-lo. Desembucha.
– Ah, Teo, sabe, é essa minha vida. Desde que me entendo por gente, aliás, desde que me entendo por touro, minha vida tem sido carregar essas pedras. E parece que a cada dia elas ficam mais pesadas. E a carroça parece cada vez maior.
– Mas Arq, não precisa ser sempre assim. Tudo pode mudar. Você pode sair dessa caverna.
– Caverna?! Que caverna?! Isso aqui é uma fazenda.
– Maneira de dizer, Arq. É que andei lendo um livro que tinha uma história parecida com a sua, e que se passava numa caverna.
Teobaldo era muito culto, sabia até ler livros de gente. Ele continuou.
– Porque você não vai embora daqui, e toma as rédeas da sua vida?
– Que rédeas? Quem usa rédeas é você, que é cavalo.
– Outra vez maneira de dizer. Olha, você podia ir para Madri.
– Madri? Nunca ouvi falar nisso. É coisa de comer?
Arquibaldo não sabia mesmo de nada, coitado. Pensava que Madri fosse uma coisa de comer, veja só, coisa de comer! Nós sabemos que Madri é o nome de uma cidade. E já naquele tempo era uma cidade grande, bem diferente de Barcelona, isso também sabemos.
Teobaldo continuou, enquanto Arquibaldo ficava cada vez mais cheio de dúvidas, mas também maravilhado com a inteligência do amigo cavalo.
– Madri é uma cidade grande, com muitas casas, muitos prédios, muitas lojas.
– Prédios? Lojas? O que é isso?
– Depois entramos nos detalhes. Vamos falar do que interessa. Em Madri há muita gente e muitos touros. E lá os touros são valorizados.
– Disso eu gostei. Valorizado, eu sei o que quer dizer.
– Pois é, os touros trabalham nas touradas, e ganham muito bem. E há muitas vacas e bezerras também. Você poderá escolher uma bem bonita, casar e ter sua própria família. Não precisa viver solitário como aqui.
E com esses belos chifres você será um sucesso garantido. E esse pelo lustroso, então. Quando os holofotes forem dirigidos para você, você será o touro mais brilhante que já se viu em toda a Espanha, desde Viscaya até Cádiz.
– Tá bom, tá bom, tá bom, você me convenceu. E como eu faço para ir para esse paraíso chamado Madri?
Arquibaldo estava muito entusiasmado, e já sonhava com sua nova vida, onde tudo seria alegria, felicidade, satisfação. Imagine só, ele, que nunca vira sequer outra fazenda, agora iria conhecer outra cidade. E não só conhecer, mas mudar-se para lá.
Arquibaldo já começava a ficar impaciente. Então Teobaldo passou a dar instruções mais claras de como Arquibaldo poderia fazer para entrar naquela aventura.
– Sabe aquele dinheirinho que você disse que tem? Aquele que está bem escondido? Aquilo é seu passaporte para o futuro, para a sua nova vida, para a felicidade.
– Passaporte?! Ah, deixa pra lá. Continua.
– Você vai pegar seu dinheiro, ir até a estação e comprar uma passagem de trem. Faça assim: abra a porteira, siga por aquele caminho em frente, atravesse o rio que tem lá adiante, suba o morrinho, desça do outro lado e você verá uma casa verde. Lá é a estação. Você vai até o guichê, que é uma janelinha de vidro com um buraquinho redondinho no meio. Você entrega o dinheiro ao homem que está lá dentro e diz que quer uma passagem para Madri. Depois pergunta ao homem como faz para pegar o trem. Pronto, simples assim. Mas você tem que acordar bem cedo, para o fazendeiro não perceber, senão ba-bau.
E Arquibaldo fez tudo direitinho: acordou quando ainda estava escuro, pegou o dinheiro, abriu a porteira, seguiu pelo caminho em frente, atravessou o rio, subiu o morrinho, desceu o morrinho, e finalmente achou a casa verde. Era a estação. Seu coração disparou de emoção.
Chegando em frente ao guichê, Arquibaldo estufou o peito, levantou a cabeça (e os chifres) e falou com firmeza:
– Moço, eu quero uma passagem para Madri.
O bilheteiro olhou para ele com uma cara de cansado, e perguntou:
– Passagem de ida e volta?
“Ai, ai, ai”, pensou Arquibaldo, “e agora?”
Passado o susto, Arquibaldo respondeu com outra pergunta:
– Como assim, o que quer dizer “passagem de ida e volta”?
– Se o senhor vai passear em Madri e depois vai voltar para Barcelona, precisa de uma passagem de ida e volta.
– Ah, não. Voltar? De jeito nenhum! Nem que a vaca tussa! Ou cuspa! Ou espirre! Ou solte um pum!
Então o bilheteiro entregou ao Arquibaldo uma passagem só de ida, e guardou o dinheiro numa gaveta.
Arquibaldo seguiu para a plataforma, conforme o bilheteiro explicou, sentou-se em um banco velho e já meio quebrado, e ficou esperando, pois o bilheteiro disse que o trem ia demorar.
Umas duas horas depois, quando o sol já tinha aparecido, ouviu-se um som:
– Piuííí ...
Arquibaldo assustou-se.
– O que é isso? Que ruído estranho! O que está acontecendo?
Um passageiro que estava por perto explicou:
– Calma, moço. É o trem que está chegando. Toda vez que passa por uma curva o maquinista toca o apito,
– Pra quê?
– Para as pessoas - e os animais também - que estão depois da curva saberem que o trem está se aproximando, e não ficarem no meio da linha, pois é muito perigoso.
– Ahhhh!
Arquibaldo fez cara de quem estava entendendo, mas na verdade ele nem sabia direito o que era uma curva. Mas nós sabemos!
Finalmente o trem apontou lá na última curva e Arquibaldo já podia ver.
– Nossa, que bichão! Como é grande! Parece um monstro de ferro cuspidor de fumaça!
Logo o trem chegou na estação. Arquibaldo estava tão admirado, que ficou parado na plataforma, enquanto os outros passageiros embarcavam. Depois de algum tempo, e muita movimentação dos empregados da ferrovia, ouviu-se novamente o apito.
– Piuííí ...
Um fiscal chegou perto de Arquibaldo e falou:
– Olha, seu moço, se o senhor não embarcar logo, vai perder a viagem. Vamos, suba no trem.
– Subir? Mas o teto é muito alto! Não consigo.
– Moço, o senhor nunca viajou de trem, não? Subir quer dizer entrar. Entre no trem, por favor, porque precisamos partir imediatamente. Ou será que está com medo?
Medo?! Isso era coisa que o Arquibaldo não conhecia. Finalmente ele se deu conta do papel de bobo que estava fazendo, e entrou no trem. O mesmo fiscal, com pena dele por ver que era sua primeira viagem, orientou-o a sentar-se próximo a uma janela, para apreciar a paisagem.
Arquibaldo adorou a experiência. Depois do susto com os solavancos da partida do trem, acalmou-se, e se admirava a cada coisa nova que descobria.
Passou por muitas fazendas, atravessou muitas pontes sobre rios, depósitos, silos, muita coisa nova.
Depois de algumas horas pôde ver alguns prédios, e não foi difícil identificá-los, pois Teobaldo tinha explicado direitinho como eram essas coisas.
O apito tocou diversas vezes, e Arquibaldo sempre repetia:
– Opa, lá vem mais uma curva!
Parecia uma criança em frente a um prato de doces. Tudo era só alegria.
Até que o trem começou a diminuir a velocidade, diminuiu, diminuiu, diminuiu ... e parou. Algumas pessoas desembarcaram, e Arquibaldo foi atrás delas exclamando:
– Oba, chegamos em Madri.
Um outro passageiro, que o observava durante toda a viagem, ajudou:
– Não, amigo, aqui não é Madri. Aqui é Fraga, nem saímos da Catalunha ainda. Volte para o trem, senão ele parte de novo, e o senhor fica a ver navios.
– Navios? Mas não estou vendo nenhum mar!
– Maneira de dizer, moço. O senhor fica na plataforma e perde a viagem. Melhor embarcar logo. E a próxima parada é em Zaragoza (que se pronuncia Saragôssa). Falta ainda um tantão pra chegar em Madri.
Arquibaldo estava admirado de como as pessoas o estavam ajudando, gente que ele nunca tinha visto mais gorda. Arquibaldo até aprendeu com uma velhinha simpática que os nomes das estações estavam escritos em placas que se podiam ver de dentro do trem mesmo antes de parar. Apesar de não ser muito inteligente, Arquibaldo não era analfabeto, e ia lendo as placas: Zaragossa, Calatayud, Arcos de Jalón, Guadalajara.
Epa! De repente Arquibaldo percebeu que já estava perto. Um menino muito sabido, que tinha descido lá atrás, tinha ensinado para ele que Guadalajara era a última parada antes de Madri. Seu coração disparou de novo, igualzinho tinha acontecido quando ele conseguiu achar a casa verde da estação, lá em Barcelona.
– Madri! Madri! Atenção, senhores passageiros, estamos chegando em Madri, todos devem desembarcar.
Era o auxiliar do maquinista, que vinha com um megafone anunciando para quem quisesse ouvir, e mesmo para quem não quisesse.
Depois de alguns minutos o trem parou. Arquibaldo saltou e não sabia para onde olhar. Tudo era maravilhoso. Então ele se lembrou das últimas instruções do velho amigo Teobaldo: sair da estação e perguntar a alguém onde ficava a “Plaza de Toros”.
Em Madri as pessoas eram todas muito simpáticas também, e logo ensinaram a ele como achar a “Plaza de Toros”. Não era muito fácil, não. Era bem mais difícil do que ir da fazenda até a estação, lá em Barcelona. Mas ele achou.
Atravessou a rua da estação, entrou na rua em frente, andou contando oito esquinas. Agora ele até sabia o que era esquina. Dobrou à direita, andou mais cinco esquinas, dobrou à esquerda, atravessou uma praça.
“Ah, então isso é uma praça!”, pensou Arquibaldo.
Depois de um punhado de esquinas, curvas à direita, curvas à esquerda, praças e pontes ... Ufa!
Lá estava. A tão falada “Plaza de Toros de Las Ventas”. Era enorme. Era uma espécie de estádio. Arquibaldo ficou dando voltas no estádio, e só via portas fechadas.
Finalmente achou uma portinha aberta. Entrou pigarreando e tossindo para chamar a atenção de alguém que pudesse estar por ali, pois não via ninguém.
Até que apareceu um senhor de cabelos grisalhos. Ele se parecia com o dono da fazenda de onde Arquibaldo viera. Mas a essas alturas Arquibaldo não se admirava com mais nada. Cumprimentou e perguntou:
– “Buenos dias, señor”. Como é que eu faço para trabalhar nas touradas?
O senhor olhou para ele de alto a baixo, de lado a lado, deu umas três voltas e meia nele, e finalmente disse:
– É, meu rapaz, você realmente parece ter jeito para a coisa. É grande, forte, bonito e esses chifres, ah, esses chifres, nunca vi nada igual. Vamos até meu escritório para você preencher a ficha de inscrição e assinar o contrato. Vou colocá-lo em uma corrida de touros amanhã mesmo. E contra o melhor toureiro de toda a Espanha.
– Mas, preciso que alguém me explique o que tenho que fazer. Meu amigo Teobaldo me explicou alguma coisa, mas ...
– É muito simples. Você vai entrar na arena por um lado e o toureiro vai entrar pelo outro.
– E como é esse toureiro?
– É um homem magrinho, até meio engraçado, com uma roupa bem colada no corpo, e uma capa vermelha, que ele fica balançando.
– E o que eu tenho que fazer?
– Você tem que tentar acertar o toureiro com esses seus maravilhosos chifres.
– Moleza! – disse Arquibaldo.
E então chegou o domingo, e lá estava o Arquibaldo, próximo à sua porta, brilhando mais que nunca, pois tinha levado uma bela escovada. Do outro lado ele podia ver o toureiro, próximo à outra porta. Um locutor fez os anúncios, e a galera gritava com todo o entusiasmo:
– Olé! Olé, touro. Olé. Olé, touro.
Então Arquibaldo entrou na arena por um lado e o toureiro pelo outro. Ficaram se olhando de frente, o toureiro agitou sua capa, e Arquibaldo entendeu que era ora de agir. Soltou um mugido bem forte, bufou, esfregou as patas no chão, e partiu a toda velocidade.
– Muuuuuuu, blerf, blerf, muuuuu ...
E lá ia ele, em alta velocidade, bem na direção do toureiro, pensando em como seria fácil dar uma chifrada naquele magrelo, jogá-lo longe, e passar no caixa para pegar seu dinheiro, pagamento justo por um trabalho bem feito.
– Pocotó, pocotó, pocotó
(Não é bem esse o som que faz um touro correndo, mas
é muito difícil escrever, então vai pocotó mesmo).
Mas “quioquê”! Quando estava bem pertinho, já certo que ia acertar o toureiro, este se desviou para o lado direito, e Arquibaldo passou como um trem sem freio.
– Boooinnnng.
Era a cabeça do Arquibaldo batendo contra o muro de proteção, onde ficavam os repórteres, as autoridades e alguns penetras.
– Ai, caramba. Que foi que aconteceu?
O treinador, só agora, explicou para o Arquibaldo que o toureiro tinha o direito de se esquivar. Afinal, ninguém gostaria de receber uma chifrada daquelas. Então Arquibaldo pensou, pensou, pensou, e descobriu uma solução. Pelo menos ele achava que tinha descoberto uma solução. Disse para si mesmo:
– Bom, já que ele se desviou para o lado direito, vou desviar para lá também, e acertá-lo em cheio.
E lá foi ele na segunda tentativa.
– Muuuuuuu, blerf, blerf, muuuuu ...
– Olé! Olé, touro. Olé. Olé, touro.
– Pocotó, pocotó, pocotó.
Quando chegou bem pertinho do toureiro, Arquibaldo se desviou para a direita, mas desta vez o toureiro desviou para a esquerda. Um dos chifres de Arquibaldo chegou a pegar a capa do toureiro, rasgando-a ao meio, mas ... Boooinnng! De novo.
– Ai, minha cabeça. O que se passa com esse toureiro? Já sei, da próxima vez vou fingir que vou para a esquerda, aí ele desvia para a direita, então eu volto para a direita e acerto-o em cheio.
E lá vai Arquibaldo, confiante de que desta vez daria certo. Pobre Arquibaldo, se ele soubesse que os seres humanos são muito mais astutos!
– Muuuuuuu, blerf, blerf, muuuuu ...
– Olé! Olé, touro. Olé. Olé, touro.
– Pocotó, pocotó, pocotó.
– Booooiiiiinnnnggg.
Demorou, mas Arquibaldo caiu na real. Depois de uns dez boings, percebeu que nunca conseguiria pegar aquele toureiro, que era mais esperto que ele. Começou a achar que tudo não passava de um grande engano.
De repente bateu uma saudade da fazenda. Naquele instante Arquibaldo decidiu de uma vez por todas que tinha que voltar. Chamou o treinador no canto e disse que queria desistir. O treinador ficou furioso.
– Como assim, desistir? Você não pode. Esse povo vai invadir a arena e não vai sobrar pedra sobre pedra.
Arquibaldo estava decidido:
– Não adianta, dessa brincadeira eu não participo mais.
– E o contrato? E o dinheiro que eu lhe prometi.
– Pode ficar com tudo. Só me dê uns trocados para a passagem. Vou voltar para Barcelona.
– Então me faça um último favor. Eu não posso interromper a corrida. Entra lá e faz de conta que teve um ataque e cai duro, como se estivesse morto. Assim o povo não vai se revoltar.
– Tudo bem, isso eu posso fazer.
No dia seguinte lá estava Arquibaldo no trem, indo de Madri para Barcelona, quando passa um menino vendendo jornais. Arquibaldo compra um com os últimos trocados que sobraram, e vê a manchete:
– O touro mais bonito que já passou pela “Plaza de Toros de Las Ventas” tem um ataque do coração e cai morto em plena arena.
Arquibaldo sorriu, e disse para si mesmo:
– Que Madri que nada. Lugar bom de se viver é Barcelona.
 FIM 

PS - Procuro um ilustrador e um editor para esta história.

Devanir Nunes
ultima-flor-do-lacio.blogspot.com.br


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